Cadernos de História e Filosofia da Ciência: Série 3, volume 12, n. Especial - janeiro a dezembro de 2002
(sumário)
O Da Lembrança e da Rememoração (De memoria et reminiscentia) é, talvez, o mais importante dos nove textos que compõem o assim chamado Parva Naturalia.
Esses pequenos tratados, como rezam as linhas iniciais do primeiro deles, que serve de programa para o inteiro conjunto, investigam aquelas atividades que, pertencentes a todos os animais ou apenas a alguns deles, “parecem ser comuns à alma e ao corpo, por exemplo, percepção, memória, ímpeto, apetite e em geral desejo e, além desses, prazer e dor”. Essa passagem fomece-lhes inclusive um título mais legítimo: “Das coisas comuns à alma e ao corpo”.
De uma maneira geral, os Parva Naturalia constituem o complemento da difícil abordagem da percepção e da intelecção presente no Da alma (De Anima), o que é particularmente verdadeiro do Da Lembrança. Embora a memória não receba uma abordagem relevante no resto do Corpus, por vezes aí parece ser apresentada como o traço-de-união dessas nossas duas faculdades cognitivas.
Mas é justamente essa (falsa) impressão que o De Lembrança e da Rememoração vem dissipar, distinguindo claramente entre lembrança e rememoração. Aliás, salvo referências implícitas a passagens platônicas, curiosamente Aristóteles aqui não menciona predecessores na matéria. E isso talvez signifique que o Da Lembrança, como já foi observado, não se coloca como uma resposta polêmica a Platão, e sim como um deslocamento do inteiro problema da memória.
Com efeito, a abordagem de Aristóteles é totalmente “científica” e não guarda a menor sombra daquele ar de mistério que envolve a anámnesis platônica.