Premiação ocorreu durante o Latin American Symposium on Mathematical Logic
(foto: Antonio Scarpinetti/Jornal da Unicamp)
A pesquisadora Itala Maria Loffredo D'Ottaviano foi contemplada com o SLALM Award for Outstanding Contributions to Logic 2024 “por seu trabalho inovador em lógica não clássica, lógica paraconsistente, lógica polivalente e história da lógica”. Ela foi a primeira brasileira a receber a premiação, com a qual se surpreendeu durante o 20th Latin American Symposium on Mathematical Logic (SLALM), realizado em Montevidéu, no Uruguai, em julho. O evento foi criado em 1970 e é organizado pela Association for Symbolic Logic, a mais importante associação de lógica do mundo.
Professora titular sênior de Lógica e Fundamentos da Matemática do Departamento de Filosofia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisadora sênior do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência da Unicamp, que ajudou a criar, D'Ottaviano é a primeira mulher latino-americana eleita para a Académie Internationale de Philosophie des Sciences (AIPS). Também é membro eleita do Institut International de Philosophie (IIP). Mestra (1974), sob orientação de Mário Tourasse Teixeira (1925-1993), e doutora (1982), sob orientação de Newton da Costa (1929-2024), fez pós-doutorado na Universidade da Califórnia (em Berkeley, Estados Unidos), na Universidade Stanford (Estados Unidos) e na Universidade de Oxford (Reino Unido).
“Em 1968, eu estava acabando de me graduar em matemática quando Newton da Costa veio do Paraná para São Paulo, onde passou a ser professor da Universidade de São Paulo [USP] e da recém-criada Universidade Estadual de Campinas. Eu assisti a um curso que ele e a professora Ayda Arruda [1936-1983] ofereceram. E, ao final, os dois me convidaram para trabalhar com eles. Foi assim que minha carreira em lógica começou. No ano seguinte, já formada, fui contratada pela Unicamp e passei a trabalhar sob a orientação direta de Newton da Costa”, conta D'Ottaviano à Agência FAPESP.
Ela acrescenta que seu orientador reuniu, na Unicamp, o primeiro grupo de lógica mais significativo do Brasil. “Fizeram parte desse grupo Antonio Mário Sette, Luiz Paulo de Alcântara, os argentinos Roberto Cignoli e Marta Sagastume e Walter Carnielli. Ao mesmo tempo, Newton passou a ser também a alma de um grupo de lógica no recém-criado Departamento de Filosofia da Unicamp, com a participação de Andréa Maria Altino Loparic, Luiz Henrique Lopes dos Santos, Elias Humberto Alves e Carlos Alberto Lungarzo, entre outros colegas. Então, sob o impulso de Newton, formou-se na Unicamp toda uma geração de estudiosos que daria à lógica brasileira importância internacional”, conta.
O aporte teórico que propiciou esse avanço foi a contribuição de Newton da Costa para a formalização e o desenvolvimento das lógicas paraconsistentes. Cabe aqui uma explicação. “A lógica é a ciência que trata da relação de consequência, dos argumentos válidos. É, portanto, uma disciplina que transpassa várias áreas do conhecimento. Como tal, é considerada muitas vezes uma área da matemática, mas, historicamente, desde Aristóteles, sempre foi incluída no campo da filosofia. Ora, um dos pilares da lógica clássica, dita aristotélica, é o princípio da não contradição. Ou seja, o princípio de que uma proposição não pode afirmar algo e seu contrário simultaneamente. Foi em relação a isso que Newton da Costa deu, na segunda metade do século 20, uma contribuição extremamente original, quando, como um dos primeiros a pensar dessa forma na história do conhecimento, conjecturou sobre a possibilidade de sistemas de raciocínio que permitam o trato da contradição sem perda da logicidade, sem perda da racionalidade”, conta D'Ottaviano.
Há uma expressão famosa em latim que resume a rejeição da contradição pela lógica clássica: “ex falso sequitur quodlibet” ou “ex contradictione sequitur quodlibet” (“a partir de uma contradição, qualquer coisa segue”). Contemporaneamente, isso também é conhecido como “princípio da explosão”. Uma vez a contradição afirmada, tudo se segue, já não há mais critério lógico para distinguir o falso do verdadeiro. Em toda teoria que tenha como lógica subjacente a lógica clássico-aristotélica, vale o ex falso. Ou seja, basta a ocorrência de uma contradição para que a teoria se torne trivial, isto é, para que todas as suas sentenças sejam consideradas verdadeiras, o que faz com que a teoria seja derrogada. Nas lógicas paraconsistentes, o ex falso não é válido, o que permite acolher e operar com possíveis contradições de maneira controlada, sem que isso implique colapso lógico ou trivialidade das teorias envolvidas. Em outras palavras, em uma lógica paraconsistente, é possível que um sistema contenha proposições contraditórias sem que isso leve a resultados absurdos.
“Os trabalhos de Newton da Costa e colaboradores, em especial Ayda Arruda, deram um enorme impulso ao desenvolvimento da lógica no Brasil e na América Latina, com repercussão mundial. Em 1982, o Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência da Unicamp criou o primeiro periódico de circulação internacional na área de lógicas não clássicas: o Journal of Non-Classical Logic (JNCL). Na década seguinte, foi criado na França o Journal of Applied Non-Classical Logics (JANCL). Pouco depois, os dois periódicos se fundiram, tendo no comitê editorial Newton da Costa, Walter Carnielli e eu”, informa D'Ottaviano.
Isso tudo esteve muito centrado inicialmente na Unicamp, mas, hoje, há grupos trabalhando em vários Estados brasileiros, não apenas com lógicas paraconsistentes, mas também com história da lógica, filosofia da lógica, lógica algébrica, teoria da prova, teoria de modelos, teoria de conjuntos, lógica e computação, outros tipos de lógicas não clássicas e aplicações tecnológicas diversas.
Juntamente com Evandro Luiz Gomes, que foi seu orientando no doutorado e é professor da Universidade Estadual de Maringá, D'Ottaviano publicou, em 2017, pela Editora da Unicamp, o livro Para além das Colunas de Hércules, uma História da Paraconsistência: de Heráclito a Newton da Costa. Ambos estão agora finalizando aquela que talvez venha a ser considerada a grande suma da paraconsistência, o livro Illuminating Paraconsistency: A History of Paraconsistency from Heraclitus of Ephesus to Stanislaw Jáskowski and Newton da Costa.
“Esse trabalho transformou-se numa investigação sobre a presença da paraconsistência na história do pensamento ocidental. Começamos com Heráclito de Éfeso, no século 5 a.C., e vamos até Newton da Costa, nos séculos 20 e 21, passando pelos estoicos e por medievais, como Pedro Abelardo e Pseudo-Scotus. Já estamos com mais de mil páginas escritas e temos contrato assinado com a editora Springer para publicar pela Synthese Library Book Series”, conta D'Ottaviano. Sua expectativa é a de que o livro possa ser editado conjuntamente pela Springer e a Editora da Unicamp.
Fonte: https://agencia.fapesp.br/professora-da-unicamp-recebe-premio-internaci…
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