N.A. Vasiliev e a lógica paraconsistente
Sinopse
N.A. Vasiliev e a Lógica Paraconsistent (digital)
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“Este trabalho foi realizado, entre outubro e dezembro de 1978, quando a autora era professora visitante no Instituto de Matemática da Universidade Católica do Chile, período durante o qual colaborou intensamente com a organização do IV Simpósio Latinoamericano de Lógica Matemática, realizado em Santiago, em dezembro de 1978.
Foi um dos últimos trabalhos preparados pela professora Ayda Ignez Arruda, não tendo sequer sido submetido a publicação.
A professora Arruda estudou, por quase vinte anos, a Lógica Paraconsistente e Lógicas Não-Clássicas em geral, tendo se interessado, nos últimos anos de sua vida, pelos trabalhos de Vasiliev e, em particular, por suas relações com a Lógica Paraconsistente.
A professora Arruda analisou, exaustivamente, os cinco artigos publicados por Vasiliev.
Nicolai À. Vasiliev, médico, foi professor de Filosofia na Universidade de Kazan, Rússia.
Entre 1910 e 1913 publicou, em russo, uma série de quatro artigos, nos quais apresenta suas idéias sobre a possibilidade de derrogação de algumas formas da lei do terceiro excluído e da lei da (não-)contradição.
Em 1925, publicou um resumo das principais idéias de seus artigos anteriores, nas atas do V Congresso Internacional de Filosofia realizado em Nápoles.
Parece que Vasiliev não chegou a ter conhecimento dos trabalhos de Lukasiewicz de 1910, porém, as argumentações de ambos sobre a possibilidade de construção de lógicas não-Aristotélicas são muito semelhantes. É interessante observarmos que ele também argumentou que a lei do terceiro excluído apareceu na “mente de Aristóteles com o objetivo de refutar seus adversários e não por razões lógicas”.
Em seu primeiro artigo de 1910, Vasiliev mostra que é possível derrogar o princípio do terceiro excluído em sua formulação “duas proposições contraditórias não podem ser ambas verdadeiras e não podem ser ambas falsas”, mantendo o princípio da não-contradição. O trabalho começa com uma nova classificação de juízos em juízos sobre fatos, os quais expressam um fato que ocorre em um instante fixo de tempo, e juízos sobre conceitos, os quais expressam leis não-temporais, concluindo que a lógica de juízos sobre conceitos é um tipo de lógica não-Aristotélica. Vasiliev argumenta que existem apenas três tipos distintos de juízos sobre conceitos: “Todo S é P”, “Nenhum S é P” e “Apenas alguns, não todos S são P, e os restantes não são P”, e como quaisquer dois desses juízos não podem ser simultaneamente verdadeiros, porém, podem ser ambos falsos, ele introduz um tipo de lei do quarto excluído: para todo conceito A e todo predicado P, apenas um desses julgamentos deve ser verdadeiro, e um quarto Julgamento não pode ser formulado.
Em seus artigos de 1911, 1912 e 1913, Vasiliev discute a derrogação do princípio da não-contradição e a consequente possibilidade de construção de uma nova lógica, na qual esta lei não seria válida, em geral.
Inspirado nos métodos usados por Lobatchewski na construção de sua geometria não-Euclidiana, inicialmente chamada geometria imaginária, Vasiliev estendeu seus pontos de vista sobre sua lógica não-Aristotélica de conceitos a uma lógica que ele chamou de lógica imaginária.
Como Vasiliev acreditava que as contradições não existem no mundo verdadeiro, porém existem em um mundo possível imaginado por nossa mente, ele afirma que a lógica Aristotélica se refere ao mundo real, enquanto que sua lógica imaginária refere-se a mundos imaginários criados pela imaginação.
Vasiliev supõe a existência de mundos imaginários de qualquer “dimensão lógica” finita n, os quais têm uma lógica de dimensão n para descrevê-los, com juízos de n diferentes qualidades e com uma lei ontológica do (n+1)-ésimo excluído.
Na lógica imaginária de Vasiliev de dimensão três, a lei ontológica da contradição, tomada na forma Kantiana “nenhum objeto pode ter um predicado que o contradiga” não é válida, pois isso depende das propriedades dos objetos. Entretanto, a lei metalógica da não-auto-contradição “um e o mesmo juízo não pode ser simultaneamente verdadeiro e falso” é válida.
Os trabalhos de Nicolai A. Vasiliev parecem não ter tido influência no desenvolvimento da Lógica, em seu tempo, permanecendo quase desconhecidos até 1962.
Seu primeiro artigo foi discutido por Hessen em 1910, e criticado por Smirnov em 1911, tendo Vasiliev refutado a crítica de Smirnov em seu artigo de 1912.
Vários anos mais tarde, em 1936, os artigos de Vasiliev foram incluídos por Church em sua Bibliografia de Lógica Simbólica e, em 1965, mencionados por Korcik.
Entretanto, suas idéias foram bem apresentadas e discutidas, pela primeira vez, por Smirnov, em 1962, e no Review escrito por Comey em 1965.
Kline, em seu artigo de 1965, publicado no volume em homenagem a J.M. Bochenski, considera Vasiliev um dos precursores das lógicas polivalentes. Rescher e Jammer, em seus livros de 1964 e 1974 respectivamente, concordam com o ponto de vista de Kline.
Ayda Arruda, em seu artigo “On the imaginary logicof N.A. Vasiliev”, apresentado no III Simpósio Latinoamericano de Lógica Matemática (realizado na Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP) e publicado em 1977, apresenta três abordagens diferentes às idéias intuitivas de Vasiliev relativas à sua lógica imaginária de dimensão três, obtendo em cada caso uma lógica paraconsistente. O primeiro e terceiro sistemas de Arruda são decidíveis por matrizes trivalentes e o segundo, por matriz bivalente, porém não chegou a ser dada qualquer interpretação para os valores de verdade considerados.
De acordo com Arruda, em seu artigo de 1977, Vasiliev procurou mostrar que essa lógica de dimensão três, com sua lei ontológica do quarto excluído, tem uma interpretação clássica, como acontece com a Geometria de Lobatchewski.
No mesmo artigo, a professora Arruda afirmou acreditar que qualquer possível formalização da lógica imaginária de Vasiliev deveria conduzir necessariamente a uma lógica paraconsistente e não necessariamente a uma lógica polivalente.
Em seu artigo “N.A. Vasil'év: A forerunner of paraconsistent logic”, publicado em 1984 por Philosophia Naturalis, Arruda argumenta contra a interpretação polivalente de Kline, afirmando que a noção de dimensão de Vasiliev nada tem a ver com o número de diferentes valores de verdade envolvidos, mas sim com “o número de ... diferentes qualidades de julgamentos”.
Priest e Routley, em recente artigo publicado em 1989, no livro Paraconsistent Logic, Essays on the Inconsistent, discutem sobre as duas diferentes interpretações da lógica imaginária de Vasiliev, a polivalente e a paraconsistente, e chegam a sugerir que Vasiliev também poderia ser considerado, com McColl e Lewis, como um dos fundadores das lógicas intensionais.
Priest e Routley, entretanto, apresentam Vasiliev, ao lado de D. Bochvar, como um dos precursores russos da lógica paraconsistente.
O texto que ora publicamos está estruturado em dois capítulos: o primeiro, sobre a lógica paraconsistente, com uma primeira seção contendo considerações gerais sobre este tipo de lógica não-clássica, uma segunda seção com um resumo do desenvolvimento histórico da lógica paraconsistente e uma terceira, na qual são discutidas as razões pelas quais a autora considera que Vasiliev pode ser encarado como um dos precursores da lógica paraconsistente; e o segundo, onde são apresentados extratos, em português, dos três trabalhos de Vasiliev, de 1910, 1912 e 1913 respectivamente.
Tínhamos conhecimento deste trabalho desenvolvido pela professora Arruda, tendo inclusive partici pado de discussões sobre o tema e sobre as traduções dos artigos, do russo para o português.
amentavelmente, a autora não pôde fazer a revisão final do texto e, só há bem pouco tempo, pudemos encontrar os originais de seu trabalho.
Decidimos então revisá-lo cuidadosamente, atualizando as referências bibliográficas e preparando-o para publicação como um volume da Coleção CLE, a mais recente das publicações editadas pelo Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência (CLE) da UNICAMP.
A professora Ayda Arruda foi membro fundador do Centro de Lógica, participou, desde sua criação, de grande parte de suas atividades, organizou colóquios científicos e Seminários de Lógica, recebeu professores visitantes, orientou estudantes, e trabalhou pela criação da Sociedade Brasileira de Lógica.
A publicação deste volume da Coleção CLE constitui uma homenagem do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência à memória da professora Ayda Ignez Arruda”.
ISSN: 0103-3247
Primeira edição, 1990
Volume 7 – 1990
Índice para catálogo sistemático
- Lógica 160
OBS. A finalidade deste texto é divulgar os pontos de vista de Vasiliev, situando-os dentro do contexto histórico do desenvolvimento das lógicas não-clássicas e, em particular, da lógica paraconsistente. São apresentados extratos da tradução, do russo para o português, dos trabalhos de Vasiliev de 1910, 1912 e 1913, mantendo, na medida do possível, a linguagem do autor. Este foi um dos últimos trabalhos da autora, não tendo sequer sido submetido à publicação.